O diagnóstico que me deram é: depressão. Ela é o mal do século, dizem os especialistas. No meu caso, não tem gatilhos. Não consigo encontrar a fonte, o que desencadeia ou o que deu origem. Vida perfeita. Amada, financeiro ok, sem grandes problemas na vida. Hoje é domingo. Está um dia chuvoso, como amo. Moro na cidade que amo. Tenho conforto, vivo em paz, sem cobranças ou pressões externas. No entanto, estou aqui no quarto, escrevendo essa tentativa de terapia, enquanto meu filho está sozinho na sala vendo TV. Poderíamos estar juntos, em casa ou mesmo passeando. Tem um carro na garagem, cartão de crédito liberado (na medida da minha sensatez, que tem toda a confiança do meu marido), a cidade é convidativa nos dias invernados. Minha filha está no outro quarto, trabalhando em projetos pessoais, então não me dói tanto praticar esse "abandono". Tenho medo das consequências disso na vida futura deles. Não posso prever; todos os pais erram, é impossível acertar em tudo, mas tenho medo. Nesse momento da minha vida, tenho um vício que está roubando toda minha energia, paz, que me deixa muito suscetível a irritações, que me põe em estado piorado de desânimo, mas que não consigo vencer: o vício em internet. Essa é a primeira vez que assumo isso. Dói assumir, mais do que se eu estivesse assdumindo vício em álcool ou drogras. Dói porque, a princípio, é só não pegar o celular. Mas eu não consigo. Parece que ao abrir alguma página vou achar a minha salvação, alguma coisa que vai revolucionar a minha vida ou resolver pelo menos em parte o meu problema. Então eu cedo. Abro o instagram pra ver a vida de pessoas que vivem como eu penso que gostaria de viver. A vida no campo, a vida de artesã, a vida de dona de casa que tem alegria em cozinhar pra família, limpar e organizar a casa. Ora, mas eu tenho a oportunidade de viver tudo isso agora, e por que vou ver a vida dos outros, em vez de viver a minha própria? NÃO SEI. Talvez o fato de que ver não cansa; já fazer... ali, tudo é lindo, tudo dá certo, não tem pernilongos, nem cheiro ruim no galinheiro, nem dor nas costas, nem pele feia e com marcas das roupas feitas pelo sol na pele... Fico num eterno salvamento de ideias de artesanatos, receitas, construções artesanais, exercícios físicos, tudo que me daria a vida que (penso) desejo. A vida perfeita seria essa: malhar, fazer comidas gostosas, lanchinhos fofos, ter tudo em ordem na casa, fazer artesanatos lindos pra decorar a casa e ganhar algum dinheiro. E o que me falta pra isso. ABSOLUTAMENTE NADA além de FAZER. Simplesmente isso, FAZER. Largar o celular e colocar tudo em prática. Marido adoraria. Me incentiva todos os dias, custeia os gastos necessários pra isso, e, não obstante, eu não faço. Não faço porque não tenho energia. Não tenho energia porque não saio do celular. Não saio do celular porque me conforta ver como é a vida que eu gostaria de ter. Veja que loucura! Meu Deus! Eu só posso estar doente mesmo. Então aqui está um pouquinho das elucidação dos fatos que estou tentando fazer da minha cadeia. O porquê estou nela. Pra tentar olhar de fora e ver se é isso mesmo. Porque dentro, não estou conseguindo ver. Talvez eu veja que essa pista estava errada, ela não elucida fato nenhum. Talvez eu veja que era só eu tentando arrumar uma desculpa pra aquilo que é realmente uma doença, e que eu reluto em aceitar. Mas nesse momento, é a única que tenho. Seguirei nela, tentando encontrar a chave pra minha libertação.
Carla Miranda
"Uma parte de mim é todo mundo, outra parte é ninguém, fundo sem fundo. Uma parte de mim é multidão, outra parte, estranheza e solidão. Uma parte de mim pesa, pondera; outra parte, delira (...) Uma parte de mim é permanente, outra parte, se sabe de repente..."
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